Moramos em um conjugado - alugado – na rua Voluntários da
Pátria, em Botafogo. Viemos de um salário humilde – somemos os vencimentos.
Tomamos dois ônibus lotados por dia – bem divertido; é lazer. Pagamos todos os
impostos – atrasados. Usamos roupas de marcas famosas – como todos os outros
casais de classe média/alta. Assim somos definidos. Auto-identificados...
Meu marido comprou hoje um jogo novo de cozinha igual
àquele de novela. O velho eu reformei e coloquei no banheiro. Deu um toque
muito original. Aproveitando o cartão de crédito oferecido pela loja, trouxemos
uma nova geladeira, um colchão e um vídeo-cassete. Um luxo.
Concordo plenamente com minha vizinha ao afirmar que “nos
dias de hoje cometer a loucura de comprar é uma necessidade”. Aproveito a
necessidade de retribuir os presentes de meu marido para relaxar olhando as
vitrines. Durante uma tarde em Copacabana encomendei onze vestidos, um Summer e
seis jeans personalizados.
O aumento dos salários nos encorajou a adquirir uma cama
nova, já que a outra fizemos de sofá e também um sofá, porque a cama era
extremamente desconfortável. Acompanhando as peças, escolhemos alguns objetos
decorativos que combinavam.
Na noite seguinte soubemos notícias sobre um aumento dos
gêneros alimentícios. Pela manhã fui ao supermercado e trouxe quinze pacotes de
comida pra cachorro. A moça garantiu que era bom. Mas não temos cachorro.
Resolvemos empilhar no canto que nos serve de quarto, atrás do biombo japonês.
Passados três dias, dos vinte e oito metros quadrados
ocupados, restavam-nos três: perto do fogão na cozinha, o espaço do vaso
sanitário no banheiro e, naturalmente, a frontal da TV. Isso somente porque
aguardávamos a chegada de alguns tecidos, produtos de beleza e tijolos tipo
lajota.
Pela madrugada saímos pela rua. Felizes por ter a casa
suprida. Entupida. Não mais trabalharíamos: aposentadoria. O tempo acabou
passando. Pensando nisso ganhamos a areia da praia: nus. Ainda não havíamos
comprado livros. Nem discos...